Resenha A Vegetariana — Han Kang

Mariana Artigas
4 min readDec 13, 2023

Escrito por Han Kang, A vegetariana propõe uma experiência visceral e ao mesmo tempo estranha e vertiginosa.

A vegetariana — Han Kang

O livro A vegetariana (2007), foi vencedor do prêmio Booker International Prize em 2016, mas foi publicado pela primeira vez em 2007 e é um romance-novelas de autoria de Han Kang, uma notória escritora sul coreana.

“Nunca tinha me ocorrido que minha esposa era uma pessoa especial até ela adotar o estilo de vida vegetariano”.

Assim se inicia o romance A vegetariana (2018), o qual é dividido em três partes. Cada capítulo do romance possui um narrador diferente. O marido da protagonista Yeonghye é o narrador da primeira parte do romance, mesmo que o título da obra possa fazer crer num primeiro momento que serão realizadas discussões sobre a temática do vegetarianismo ao decorrer da narrativa, isso não ocorre, pois o que realmente surpreende o leitor é a forma com que a autora é capaz de tratar o machismo, a cultura patriarcal, o silenciamento feminino, a violência doméstica e sexual.

O leitor apenas tem acesso ao inconsciente e aos sonhos de Yeonghye, na primeira parte do livro, onde os terríveis pesadelos da personagem começam a se manifestar. A partir desse momento, a protagonista decide jogar fora toda a carne que possui em sua geladeira, com o objetivo de colocar um fim aos pesadelos que a assombravam todas as noites.

O marido de Yeonghye, a descreve como uma mulher mediana em todos os aspectos e afirma a ter escolhido como esposa justamente por isso. Em A vegetariana (2018), todos os homens acreditam ter poder de escolha sobre a vida das mulheres. Tanto o marido como o pai de Yeonghye não a consideram um ser humano que possui decisões, vontades e desejos. Além de que o pai da protagonista é um veterano de guerra, o qual sempre tratou os filhos com enorme violência e insensibilidade.

Na obra, há também um retrato da objetificação sexual, dado que é o cunhado de Yeonghye, um artista casado com Inhye, irmã da protagonista é quem narra a segunda parte do romance.

O capítulo “Mancha Mongólica” é marcado pela obsessão que o cunhado desenvolve acerca da marca de nascença da protagonista. Desde então ele passa a enxergar Yeonghye como um mero objeto, ela torna-se então fonte de inspiração para os projetos artísticos que o cunhado desenvolverá com
o intuito de aproximar-se cada vez mais dela.

São feitas ainda grandes discussões sobre a saúde mental, principalmente na primeira parte, intitulada “A vegetariana”, e no último capítulo nomeado “Árvores em chamas”. Yeonghye é uma personagem que é enxergada com estranhamento pelos demais personagens, pois todos limitam-se a enxergá-la como apenas uma mulher que de uma hora para outra decidiu mudar os seus hábitos e virar vegetariana.

A decisão de tornar-se vegetariana, não é aleatória, ela é na realidade um manifesto de Yeonghye frente a toda violência patriarcal que a cerca. Inclusive, no final do livro Inhye compreende que ela mesma poderia ter adoecido tal como a irmã, dado que a irmã de Yeonghye, é uma mulher que também não expressa a sua voz e as suas vontades, estando condicionada a obedecer o marido.

A obra nos mostra que o patriarcado adoece profundamente as mulheres, uma vez que Yeonghye encontra-se dissociando e está alheia a sua própria realidade, visto que ela também reúne todos os seus esforços em uma tentativa de desconectar-se de tudo que a torna humana, a fim de escapar da desumanidade dos homens.

Há uma letargia, um estado de vazio e uma profunda indiferença que tomam Yeonghye. De acordo com Han Kang, a protagonista foi inspirada no seguinte verso do poeta sul coreano Yi Sang: “Eu acredito que os humanos deveriam ser plantas”. Cuja obra foi censurada por retratar a violência sofrida pela península coreana durante o imperialismo japonês.

A personagem principal possui aversão a tudo que é violento, patriarcal, sanguinário. No entanto, os personagens masculinos da obra, revelam dentro de si uma masculinidade tóxica, autoritarismo, brutalidade, ignorância e violência desmedidas.

Foi tudo tão real. A sensação de mastigar carne crua, o meu rosto, o brilho dos meus olhos. Parecia o de alguém que conheci pela primeira vez, mas com certeza era meu rosto. Quero dizer, pelo contrário, parecia tê-lo visto tantas vezes, mas não era meu rosto. Difícil explicar. Era familiar e desconhecido ao mesmo tempo… Essa sensação real e esquisita, terrivelmente estranha (2018, p. 17).

A vegetariana (2018),é um retrato em três atos da deterioração da saúde mental de uma mulher que foi fortemente submetida as mais diversas formas de opressão ao longo de sua vida. Portanto, é possível dizer que
a personagem acaba se metamorfoseando em um vegetal, pois a vida ao lado dos seres humanos acaba sendo simplesmente insustentável.

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Mariana Artigas

Poeta e educadora escrevendo canções em travessia. Ossatura sutil (2022, urutau).